quarta-feira

Da mentira ao engano. Evocação de Philip Roth


Nota prévia: A mentira é sempre uma reinterpretação interessada da verdade, ou seja, serve quem a promove para fins pessoais, institucionais, corporativos, familiares, etc. Nos últimos anos, a mentira massificou-se, universalizou-se e ganhou a velocidade que os meios info-tecnológicos lhe quiseram emprestar a fim de que os seus promotores (políticos, económicos, financeiros e até de natureza criminal-terror/terrorismo) prossigam mais eficazmente os seus intentos. 

- Tais interacções sempre estiveram presentes na psique humana, a qual ganha uma nova amplitude no plano das relações de Estado. A mentira é assim um elemento estrutural da condição e comportamentos humanos, e é frequentemente um instrumento jogado no plano das relações interpessoais, profissionais e de natureza política e tem sido estudada pelos grandes pensadores políticos, como Platão, Maquiavel e Max Weber, mais contemporaneamente. Com Maquiavel, por este ter separado a ética da política, a mentira ganha uma nova dimensão. 

- Todavia, não é esse o âmbito do romance de P. Roth, ainda que muitos enganos possam nascer de inúmeras mentiras, casuísticas ou procuradas, e, não raro, muitos enganos se originam e multiplicam quando vemos a outra pessoa (ou instituição) agir com base em informações incompletas, o que conduz a grandes humilhações  e injustiças geradoras de violência. 
- Vemos, pois, a nossa vida, pessoal e colectiva, da política ao desporto, do plano profissional ao familiar, ser inundada pela mentira orquestrada, por enganos e outras contingências que tecem o novelo complexo que nos é dado viver. E talvez seja  essa tomada de consciência que nos faça concluir que somos, hoje, cada vez mais vítimas dessa violência, seja na forma de mentira ou enganos, aleatórios ou planeados, e que faz com que um dia cada um de nós possa dizer basta!!
- Estou agora a lembrar-me que cumpre aos portugueses, por ex., dizer basta da mentira imposta aos impostos abusivos que este governo ainda não ajustou, como devia, porque lhe é mais conveniente financeiramente continuar a engordar os cofres do Estado com receita ilegítima, mesmo que isso implique um esbulho descarado a todos os portugueses. 
- A literatura também serve, ou pode servir, para desmascarar os falsos profetas que governam mal o país, e isso é um papel insubstituível que todos e cada um dos cidadãos deve saber promover. 
- Nem que seja para cercear o campo de manobra da mentira e limitar o impacto dos enganos. 

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Engano

Engano
No centro de Engano estão dois adúlteros no seu esconderijo. Ele é um escritor americano de meia-idade chamado Philip, que vive em Londres, e ela é uma inglesa culta, inteligente e expressiva, refém de um casamento humilhante ao qual, com trinta e poucos anos, já está nervosamente resignada, ou quase. A acção do livro é feita de diálogos - principalmente conversas entre os amantes antes e depois de fazerem amor. Esses diálogos - acutilantes, ricos, espirituosos, dialécticos - são praticamente tudo o que há neste livro, e não é preciso mais nada.


Philip Roth ganhou o Prémio Pulitzer com Pastoral Americana em 1997. Em 1998 recebeu a Medalha Nacional de Artes da Casa Branca e, em 2002, o mais alto galardão da Academia Americana de Artes e Letras, a Medalha de Ouro da Ficção, anteriormente atribuída a John dos Passos, William Faulkner e Saul Bellow, entre outros. Ganhou três vezes o PEN/Faulkner Award e o National Book Critics Award. Em 2005 A Conspiração contra a América recebeu o prémio da Sociedade de historiadores Americanos pelo «excecional romance histórico sobre um tema americano, relativo a 2003-2004». Roth recebeu dois dos mais prestigiados prémios do PEN: em 2006, o PEN/Nabokov «pelo conjunto da obra [...] de originalidade constante e artisticamente perfeita» e, em 2007, o PEN/Saul Bellow de Consagração na Ficção Americana, dado ao escritor cujo apuro ao longo de uma carreira sustentada o coloca ao mais alto nível da literatura americana. Roth é o único escritor americano vivo a ter a obra publicada numa edição completa e definitiva pela Library of America. Em 2011 Roth recebeu o Man Booker International Prize. Foi o quarto autor a receber esta distinção. Engano integrou a seleção de melhores livros de 2013 do jornal Público
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segunda-feira

Bill Gates e a mudança climática. Socialismo vs neoliberalismo


Nota prévia:  Bill Gates, numa posição singular e até aparentemente paradoxal, considera que o sector privado é inepto ou incapaz de fazer a mudança que se deseja no sector das energias, esta só poderá ser assegurada pelos Governos dos Estado recorrendo ao aumento do investimento em I&D, cabendo depois às empresas racionalizar os custos da implantação das tecnologias limpas. 
É curioso esta posição, tipicamente socialista, vir de alguém que fez a sua grande fortuna através do mercado e seguindo a filosofia neoliberal. 



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We Need an Energy Miracle’



“Yes, the government will be somewhat inept,” he said brusquely, swatting aside one objection as a trivial statement of the obvious. “But the private sector is in general inept. How many companies do venture capitalists invest in that go poorly? By far most of them.”
Gates is on a solo global lobbying campaign to press his species to accomplish something on a scale it has never attempted before. He wants human beings to invent their way out of the coming collision with planetary climate change, accelerating a transition to new forms of energy that might normally take a century or more. To head off a rise in average global temperatures of 2 degrees Celsius above preindustrial levels—the goal set by international agreement—Gates believes that by 2050, wealthy nations like China and the United States, the most prodigious belchers of greenhouse gases, must be adding no more carbon to the skies.
Those who study energy patterns say we are in a gradual transition from oil and coal to natural gas, a fuel that emits far less carbon but still contributes to global warming. Gates thinks that we can’t accept this outcome, and that our best chance to vault over natural gas to a globally applicable, carbon-free source of energy is to drive innovation “at an unnaturally high pace.”

When I sat down to hear his case a few weeks ago, he didn’t evince much patience for the argument that American politicians couldn’t agree even on whether climate change is real, much less on how to combat it. “If you’re not bringing math skills to the problem,” he said with a sort of amused asperity, “then representative democracy is a problem.” What follows is a condensed transcript of his remarks, lightly edited for clarity.
On whether new commitments to reduce greenhouse-gas emissions expected at the United Nations climate-change conference in Paris in December mean the world is now serious about the problem:
It’s good to have people making commitments. It’s really good. But if you really look at those commitments—which are not binding, but even if you say they will all be achieved—they fall dramatically short of the reductions required to reduce CO2 emissions enough to prevent a scenario where global temperatures rise 2 degrees Celsius. I mean, these commitments won’t even be a third of what you need.

And one of the interesting things about this problem is, if you have a country that says, “Okay, we’re going to get on a pathway for an 80 percent reduction in CO2 by 2050,” it might make a commitment that “Hey, by 2030, we’ll be at 30 percent reduction.” But that first 30 percent is dramatically, dramatically easier than getting to 80 percent. So everything that’s hard has been saved for post-2030—and even these 2030 commitments aren’t enough. And many of them won’t be achieved.

On why the free market won’t develop new forms of energy fast enough:
Well, there’s no fortune to be made. Even if you have a new energy source that costs the same as today’s and emits no CO2, it will be uncertain compared with what’s tried-and-true and already operating at unbelievable scale and has gotten through all the regulatory problems, like “Okay, what do you do with coal ash?” and “How do you guarantee something is safe?” Without a substantial carbon tax, there’s no incentive for innovators or plant buyers to switch.
And for energy as a whole, the incentive to invest is quite limited, because unlike digital products—where you get very rapid adoption and so, within the period that your trade secret stays secret or your patent gives you a 20-year exclusive, you can reap incredible returns—almost everything that’s been invented in energy was invented more than 20 years before it got scaled usage. So if you go back to various energy innovators, actually, they didn’t do that well financially. The rewards to society of these energy advances—not much of that is captured by the individual innovator, because it’s a very conservative market. So the R&D amount in energy is surprisingly low compared with medicine or digital stuff, where both the government spending and the private-sector spending is huge.
On the pace of energy transitions historically:
What’s amazing is how our intense energy usage is one and the same as modern civilization. That is, for all the great things that happened in terms of human lifestyle, life span, and growing food before 1800, civilization didn’t change dramatically until we started using coal in the U.K. in the 1800s. Coal replaced wood. But the wave of wood to coal is about a 50- or 60-year wave.
If it was just about economics, if we had no global warming to think about, the slowly-but-surely pace of these transitions would be okay. If you look at one of these forecasts, they all say about the same thing: What you look at is a picture that’s pretty gradual, with natural gas continuing to gain at the expense of both coal and oil. But, you know, 1-percent-a year-type change. If you look at that from a greenhouse-gas point of view—if you look at forecasts—every single year we’ll be emitting more greenhouse gases than the previous year.

On whether we’ve ever done anything as big, as a species, as what he’s asking for now:
Well, sort of no. Because the scale of it is very big. People can talk about the Manhattan Project during World War II—the challenge of “Hey, should we get a nuclear weapon before, potentially, the Japanese or Germans do?” The speed of innovation there really was mind-blowing. And they had to find two paths to get there. One was enriching uranium; the other was breeding plutonium. And, in fact, the first bomb was a uranium bomb; the second bomb was plutonium. Both paths gave them what they’d hoped for. So there’s some amazing things—people look at the digital realm and see the pace of innovation. And that does kind of spoil you, because you can just put something up on the Web, and a hundred million people can download it.

But what we’re asking ourselves to do here is change energy—and that includes all of transport, all of electricity, all of household usage, and all of industrial usage. And those are all huge areas of usage. And somebody’ll say to you, “Well, hey, lighting, LED technology, is going to reduce energy consumption from lighting by over half.” That’s true; it’s a miracle, it’s fantastic. But unfortunately, there’s no equivalent in many of these other things, like making fertilizer or making electricity in a general sense. There’s opportunities to conserve that are really good. But the world is going to consume much more energy 30 years from now than it does today. (...)


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quinta-feira

A húbris do ex-DDT e de alguns dos seus "colaboradores"



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húbris ou hybris tem conhecido grande impacto na vida política portuguesa nos últimos anos. Sem nos reportarmos a casos concretos, por demais evidentes (entre a banca e a política), ela decorre dum excesso de orgulho, de confiança e de insolência que, no limite, conduz à arrogância. E desta à impunidade (a prazo).
Resultado de imagem para húbris- Ora, o que se terá passado na mente de alguns dos governantes do país nos últimos anos é que, imbuídos nesse excesso de confiança, revestido pelo escudo do poder de que dispunham ao tempo em que exerciam funções políticas e eram venerados por todos, foram cometidos excessos, e dentre eles estão os crimes económicos e financeiros, regra geral para beneficiar terceiros e garantir, como contrapartida, o enriquecimento próprio. Sempre o vil metal a motilizar as condutas e os comportamentos (privados e públicos). 

Qual terá sido, então, o maior pecado do ex-DDT?
Resultado de imagem para húbris- Obviamente, a presunção e arrogância de que podia continuar a cilindrar tudo e todos, comprando a função, a obediência, a influência e a decisão de pequenos, médios e altos agentes do Estado que depois decidiam concursos públicos a favor do seu grupo financeiro, como o dos submarinos, cujo processo a PGR deveria reabrir, até porque na Alemanha houve arguidos e condenados que hoje cumprem pena  na cadeia. Em Portugal, alguns desses putativos responsáveis pelas negociações de compra dos ditos submarinos para patrulhar o Alfeite, são hoje administradores de empresas ligadas à Construção Civil... Neste caso, houve mais discrição, ocultação de provas e, quiçá, facilitadores. 

O que  não significa que, a prazo,  o caso dos submarinos não seja recuperado pelos The Panamá Papers e aqueles que hoje fingem ser administradores da construção civil não possam vir a ser constituídos arguidos. 

Em suma: foi esse desprezo sistemático, também comum à conduta do ex-PM, então dirigido contra a magistratura ao limitar os seus privilégios corporativos, juntamente com os factos supervenientes que se têm vindo a descobrir e estão relacionados com pagamentos em envelopes feito por amigos beneméritos, existência de 23ME em contas em bancos suíços, aquisição de casas em Paris, etc, que acabou por derrapar e sair da zona de controlo dos próprios, que até então tinham conseguido circunscrever esses danos colaterais nas suas vidas. 

Sucede que por trás dessa ambição desmedida pelo poder, pelo dinheiro e pela influência de querer controlar tudo e todos simultaneamente, com grande descomedimento e arrogância estão, ou podem estar, paixões ainda mais exageradas, tipificadas pelas chamadas doenças de carácter irracional marcadas por um grande desequilíbrio emocional que provocam alteridades comportamentais na forma como o orgulho e a fúria se manifestam na esfera pública.  

Pergunto-me se, com tanta húbris sobre os mortais portugueses, os deuses, num acto de vendetta nobre e de compensação pelo erário público português, não convertem as suas vítimas em loucos antes de os destruírem definitivamente, alegando a salvaguarda do bem comum prejudicado durante décadas a fio.

Recorde-se, por fim, que a Húbris não é o acerto de contas por erros cometidos no passado, isso é vingança. Húbris é o descaso que alguém tem pelos outros, ou pelos deuses, achando que pode fazer tudo que quiser, como sinaliza Roy Porter numa reflexão muito condensada que aqui recuperamos e que ajuda a fundamentar esta reflexão acerca da arrogância em política. 

‘The history of madness is the history of power. Because it imagines power, madness is both impotence and omnipotence. It requires power to control it. Threatening the normal structures of authority, insanity is engaged in an endless dialogue—a monomaniacal monologue sometimes—about power’.
A Social History of Madness: Stories of the Insane, 1987.

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